TRABALHADORES DA BOLA: A GREVE FUTEBOLÍSTICA DE 1948 NA REGIÃO DO PRATA PELA IMPRENSA BRASILEIRA
Texto: YURI LORSCHEIDER
O Futebol como objeto de pesquisa para compreensão de fenómenos sociais e políticos não é mais uma novidade acadêmica, há um campo de estudos consolidado na área da História. Inclusive, pensando no recorte espacial da pesquisa a ser realizada, há o de Lívia Magalhães [1] e Thiago Santini Breda. Todavia, concluída a leitura dos textos supracitados, alguns questionamentos vieram à mente. Ao analisar a Argentina no ano de 1948, o país era governado pelo então General Juan Domingo Perón, o então presidente dedicou durante seu governo uma atenção ao esporte, inspirando-se nos governos do Eixo que foram derrotados em 1945.
Inesperadamente uma grande paralisação em abril de 1948 eclodiu na cidade de Buenos Aires justamente entre os personagens mais inesperados: jogadores de futebol. As exigências dos atletas? Melhores remunerações, melhores condições de trabalho, férias remuneradas e a liberdade de transferência para outros clubes. Formou-se um sindicato para representar os interesses dos “pés de obra”. Os atletas requisitavam seus direitos. Entenderam-se como classe trabalhadora, enxergaram as conquistas dos trabalhadores à época e questionaram-se: por que nós também não podemos?
Em outubro do mesmo ano, em Montevidéu, os atletas das grandes equipes também paralisaram suas atividades exigindo demandas semelhantes de seus vizinhos rivais. Atletas de destaque como lideranças da greve. O presidente Luis Batlle Berres mediou o conflito entre atletas e dirigentes de maneira conciliadora. No caso argentino, Perón também interveio no conflito, afinal o prejuízo era gigante ter as canchas vazias nas tardes de domingo.
“ATLETAS DE DESTAQUE COMO LIDERANÇAS DA GREVE”
A profissionalização do Futebol simbolizou a libertação para os jogadores. Após anos do chamado “amadorismo marrom” [2], os atletas sentiam-se presos dirigentes que coordenávamos clubes em que atuavam. Inspirados pelas conquistas trabalhistas na década de1940, os artistas da bola também acreditavam que deveriam ser tratados como os outros trabalhadores.
O profissionalismo conquistou seu espaço na Argentina através de uma greve promovida pelos atletas em 1931. Há tempos o “amadorismo marrom” fazia-se presente em território nacional. Os dirigentes encontravam diferentes maneiras para atrair os cracks, o pagamento deveria valer a pena para fazer o player molhar a camiseta atuando pelo clube. Porém o debate entre os defensores do amadorismo e favoráveis à profissionalização vem à tona. A imprensa local se posicionou desde 1925 a favor do profissionalismo, o Futebol já era uma prática rentável para os clubes, e os principais atrativos não recebiam um pagamento a altura do espetáculo.
Novamente a reivindicação dos atletas era o direito à liberdade de transferência de uma instituição para a outra sem a intromissão dos dirigentes onde o atleta atua, o chamado “passe livre” não existia. O então presidente José Félix Uriburu levou o Estado a mediar o debate com os atletas. A solução ocorreu quando foi fundada a primeira Liga de Futebol profissional do continente, então chamada de Liga Argentina de Football.
Seguindo os passos da Argentina, o Uruguai profissionalizou o futebol no ano de 1932. Antes de ocorrer a profissionalização, a seleção Celeste já estampava com orgulho o bi-campeonato olímpico, além de ser a primeira campeã do mundo no torneio disputado na sua casa em 1930. O profissionalismo uruguaio foi inspirado pela conquista dos hermanos do Rio da Prata. No Uruguai a imprensa também teve um papel relevante no processo de profissionalização do esporte, afinal era a responsável por “fazer o meio de campo” entre o público e atletas. As reivindicações dos jogadores estampavam os jornais e revistas especializadas em esporte. Havia a preocupação de evitar a fuga dos jogadores uruguaios para outros países após o título da Copa de 1930, afinal os players buscavam melhores condições de vida e queriam receber mais pelos seus esforços.
Em 1933 chegou a vez do Brasil, o esporte foi profissionalizado no nosso país, começando pela capital federal. Desde os anos 1920 o Futebol brasileiro enfrentava uma crise migratória, processo que se intensificou no início da década de 1930, tendo em vista que os atletas buscavam atuar no exterior em busca de melhores condições de vida e trabalho. Após a Copa de 1930, o êxodo dos jogadores intensificou-se. Os dirigentes brasileiros necessitavam tomar alguma medida, perder os atletas era sinal de queda nos lucros - pois os responsáveis pelos espetáculos não representavam mais aquela instituição, diminuindo o nível técnico das partidas e afetando na quantidade de público nos jogos. Mas sem uma remuneração mensal garantida, o tensionamento entre dirigentes e jogadores gerava cada vez mais dores de cabeça aos atletas.
“EM 1933 CHEGOU A VEZ DO BRASIL, O ESPORTE FOI PROFISSIONALIZADO NO NOSSO PAÍS”
No Brasil não foi necessário organizar um movimento grevista para dar segmento à profissionalização do esporte. Após a criação de Ligas profissionais na região do Prata, os tensionamentos entre os players e os dirigentes não cessaram, afinal os jogadores não possuíam seus direitos trabalhistas resguardados por leis como os outros trabalhadores. Muitas das exigências por parte dos atletas não eram atendidas. Mesmo após a formação de órgãos sindicais que os representasse, como a fundação da FAA – Sindicato de Futebolistas Argentinos e Agremiados em 1944. Dois anos depois foi fundada a MUTUAL Uruguaya Futbolistas Profesionales, com a finalidade de representar as predileções dos jogadores.
Quando as greves eclodiram no ano de 1948, há um elemento interessante que merece atenção: os grandes nomes do esporte à época aderem o movimento grevista. Na Argentina, mesmo aqueles atletas que recebiam bons salários como o caso de Pedernera e Di Stefano, abraçam a causa em prol dos atletas que atuavam em clubes menores e nas divisões inferiores. No Uruguai, Cacho Vazquez e Obdulio Varela, capitão da seleção campeã do mundo em 1950, também foram centrais na greve. Vale refletir como os atletas de futebol, muitas vezes considerados como sujeitos apolíticos, foram fundamentais no processo. E as dúvidas permanecem: porque os jogadores brasileiros não aderiram à essa greve no ano de 1948? Como a imprensa brasileira enxerga um movimento grevista? Existe alguma interferência por parte da imprensa local como sujeito ativo no processo de evitar a propagação da greve em território nacional?
[1] Pesquisa intitulada Com a taça nas mãos: sociedade, Copa do Mundo e ditadura no Brasil e na Argentina (2013).
[2] Amadorismo marrom: Forma como era chamado o período no qual os atletas eram pagos para se dedicar exclusivamente ao esporte, sem qualquer tipo de contrato profissional. O debate entre defensores do profissionalismo versus amadorismo marcou por anos a história deste esporte.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BREDA, Thiago Santini. Jogadores Trabalhadores: o processo de profissionalização do futebol: Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul (1931-1938). 2020. 115 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de História, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.
MASCARENHAS, Gilmar. Entradas e Bandeiras: a conquista do Brasil pelo futebol. Rio de Janeiro: Eduerj, 2014. 257 p.
REIN, Raanan (org.). La cancha peronista: fútbol y política (1946-1955). Buenos Aires: Unsam Edita, 2015. 276 p.